Os biodigestores mais conhecidos são os de modelos chines de cúpula fixa, construidos em alvenaria de tijolos maciços com especial enfase na impermeabilização. Os modelos indianos foram bastante utilizados para obtenção de adubo organico, porém sua campana movel e de ferro dificulta sua instalação em áreas de dificil acesso ou que não tenha energia elétrica, além de necessitarem revestimentos periódicos das partes metálicas. Os modelos de lona também conhecidos como planta balão, são de fácil replicação, porém requerem cuidados especiais com proteção para não serem rompidos por agentes externos. Podem ser usados desde uma residencia, numa comunidade, rua ou até para uma cidade inteira. As propriedades agrícolas podem usufruir de energia grutuita a partir da instação de biodigestores. A literatura informa que seus processos fermentativos são capases de minimizar os enteropatógenos classicos, reduzir em 99% os ovos de esquistossomos, tornando-os muito úteis no controle de agentes patogênicos, tudo isto aliado a processos de Educação Ambiental e Educação Sanitária.acús, pacús, curimatãs, tilápias e segue por gravidade para os tanques de macrófitas Onde não se constrói tanques, um filtro biológico é instalado após a caixa de compensação do biodigestor, seguido por zona de raízes que filtram e por evapotranspiração consomem a maior parte do efluente |
1. Introdução
A partir da segunda metade do século XX, com os constantes desastres ambientais ocorridos ao redor do mundo, tornou-se de suma importância situar a humanidade diante da natureza e de seus processos, levando-nos a rever os hábitos de consumo e as formas de produção material, presentes na forma capitalista de produção, a qual afeta diretamente o meio ambiente, causando muitas vezes danos irreversíveis ou de difícil recuperação.
Até o século XIX, a compreensão das relações entre a sociedade e a natureza vinculadas ao processo de produção capitalista desenvolveu-se com base na concepção de uma natureza objeto dominada pelo homem, tida como fonte infindável de recursos para um intenso processo de industrialização.
Porém, nas décadas de 60 e 70 percebeu-se que os recursos naturais são finitos e que os impactos negativos provocados pela exploração contínua e intensa das riquezas da Terra, nos leva cada vez mais à um desenvolvimento econômico insustentável.
Assim, como reflexo do surgimento da consciência ambiental, podemos observar no fim dos anos 60 o nascimento de Organizações Não-Governamentais (ONGs), que atualmente estão espalhadas pela maioria dos países, possuindo como objetivo principal pressionar os Estados e a iniciativa privada a fim de que se promova um desenvolvimento sustentável baseado na preservação ambiental.
Neste contexto, podemos destacar o papel do Instituto Ambiental - OIA, que é uma entidade sem fins lucrativos, com sede em Petrópolis, RJ, criado em 1993 com o objetivo de desenvolver no Brasil técnicas alternativas e biológicas de tratamento de esgotos residenciais com reciclagem de nutrientes de biomassa e produção de biogás através de biossistemas, evitando-se assim as grandes redes de esgoto e permitindo o reuso tanto da água ( a qual nos dias atuais constitui-se em um bem natural cada vez mais escasso), quanto do biossólido para a produção sustentada de alimentos e recuperação de solos degradados.
O presente trabalho irá destacar a implantação pelo OIA em parceria com o Seop- Serviço de Educação e
Organização Popular e com a Associação de Moradores local, do primeiro biossistema completo na comunidade Sertão do Carangola, localizada em Petrópolis, RJ.
Antes porém, é de fundamental importância que façamos uma breve investigação da visão dialética marxista, na medida em que o conceito marxiano de natureza, o qual valoriza o papel das relações econômicas, possibilita uma compreensão da problemática ambiental contemporânea e de suas consequências, embora os interesses e as relações de poder analisadas por Marx tenham se modificado na fase atual do capitalismo, fato que não diminuiu sua enorme influência teórica e prática em todo o mundo.
2. Dialética da Relação Sociedade/Natureza: Produção de Valor e Articulação do Espaço.
Na abordagem marxista as relações entre sociedade e natureza são baseadas nas formas como determinada sociedade se organiza para o acesso e uso dos recursos naturais.
Nesta relação o homem atua sobre a natureza com o objetivo de se apropriar de suas matérias para a satisfação de suas necessidades orgânicas, e no que ele a transforma, transforma também sua própria natureza, caracterizando assim uma relação dialética.
Nesta concepção o conceito de trabalho é fundamental, pois seu processo é , antes de tudo, uma transação entre o homem e a natureza, em que o primeiro enfrenta a natureza, ele próprio como uma força natural, através de suas características peculiares, que o distingue do animal em seu esforço inconsciente de sobrevivência.
Dessa forma, o conceito marxista de intercâmbio orgânico introduz uma nova concepção de relação do homem com a natureza, na qual a natureza se humaniza e o homem se naturaliza, estando a forma historicamente determinada em cada situação.
A natureza trabalhada transforma-se em categoria social a medida que incorpora valores de uso, e a sociedade em categoria natural.Com a produção de um excedente torna-se possível a troca regular de valores de uso, na qual o trabalho tomado por si mesmo não apresenta qualquer relação capaz de iniciar uma dialética social, cabendo esse papel à mercadoria que é em si mesma, simultaneamente, valor de troca e valor de uso.
Com a produção para troca, a produção da natureza passa a ocorrer em grande escala, na qual os objetos produzidos só se tornam valores em sua relação social.Para a sobrevivência e expansão contínua do modo de produção capitalista torna-se necessária a apropriação e transformação da natureza enquanto meios de produção em escala mundial, no qual um determinado espaço será dinamicamente apropriado e modelado conforme os interesses do capital.
Dessa maneira, o espaço reflete os resultados dos processos naturais e sociais que coexistiram até o presente momento, sendo seu valor estabelecido pela quantidade, qualidade e variedade dos recursos naturais disponíveis, assim como dos recursos construídos por meio do trabalho, que é potencializado pela técnica, sem a qual não haveria produção do espaço.
Podemos assim concluir que o desenvolvimento desigual no tempo e a ocupação distinta de um espaço fragmentado, homogeneizado e hierarquicamente estruturado constituem características marcantes da dinâmica do desenvolvimento capitalista.
3. Técnica e Produção do Espaço
Desde o século XVI a ciência e a técnica constituem elementos fundamentais na consagração da capacidade do homem de dominar a natureza, tendo em vista objetivos práticos e econômicos.
No processo de desenvolvimento capitalista, a conquista e integração do espaço tornou-se uma preocupação cada vez maior com relação à sua sobrevivência.
Até o final do século XIX, o capitalismo procurou universalizar o modo de produção, porém a partir do século XX, a produção do espaço passa a ocorrer mais pela diferenciação interna do espaço global.
Com o surgimento da forma de produzir fordista e a intensificação da atividade industrial, as técnicas se tornaram cada vez mais evoluídas e foram multiplicadas em massa, ocupando o teritório.
Na sociedade capitalista moderna a adequação do meio ambiente às necessidades sociais se dá no contexto dos interesses dos grupos sociais que dirigem uma forma de produção fundamentada no progresso técnico e avanço tecnológico, que são orientados para atender aos fins da acumulação. Dessa forma, o avanço da técnica vem intensificando o domínio sobre a natureza, levando ao surgimento de restrições impostas pelo espaço modificado em substituição às restrições naturais.Até a metade do século XX, o complexo econômico-científico se limitou a consumir a matéria existente na natureza, porém após a Segunda Guerra Mundial com o grande avanço técnico e científico, o complexo não se limitou simplesmente a intervir na natureza, mas passou a produzir uma outra natureza, para que dela pudesse se emancipar plenamente. Como exemplo temos o desenvolvimento de tecnologia atômica frente às possibilidades de escassez de energia fóssil.
Dentro deste contexto, torna-se claro que atualmente quando as possibilidades técnicas se concretizam, nos parece mais provável que, quando realizadas de forma negativa , venham a se transformar em forças destrutivas. Tal fato levou ao surgimento da chamada "revolução ambiental", promovendo grandes mudanças no comportamento da sociedade e em sua organização política e econômica, levando-nos a questionar pela primeira vez a ciência e a tecnologia.
4. Os Movimentos Ambientais
Na Geografia Clássica, o ambiente natural é colocado como condição ou obstáculo para o desenvolvimento de determinada sociedade. Porém, a partir dos anos 60, com a Geografia Crítica, passou-se a enfatizar o papel do capitalismo tecnológico e seu caráter predatório com relação aos recursos naturais. A natureza passou a sofrer um processo de "desnaturalização", no qual o risco maior é a própria capacidade do espaço físico de suportar tantos objetos industriais. Hoje, os constantes desastres ambientais têm levado à uma maior conscientização, provocando o surgimento de movimentos de resistência, havendo a mobilização de comunidades em defesa de seu espaço geográfico e contrárias à devastação do meio natural em nível local.
Neste contexto, as ONGs assumem grande importância, pois alteram comportamentos e visões de mundo, colaborando para uma nova concepção das relações sociedade/natureza. O surgimento de novos valores reflete-se na existência de diversas concepções ambientalistas. Dentre estas podemos citar as principais correntes ecológicas. São elas:
- Neomalthusiana: de caráter extremamente conservador defende o ponto de vista de que a sobrevivência do planeta só será possível com a elaboração de planos internacionais para frear o crescimento demográfico, sendo a multiplicação dos pobres o principal problema da sociedade;
- Anarquista: os ecoanarquistas defendem a construção de "comunidades orgânicas", nas quais o homem pode viver em harmonia com a natureza, na medida em que cultive a cooperação e não a competição, nem a hierarquia ou o poder de Estado, criticando assim a estrutura do capitalismo;
- Ecologia Profunda: questiona o excesso de consumo dos recursos naturais por parte da sociedade. Defende a mudança de atitudes, valores e estilos de vida por parte de cada indivíduo. Vê a Terra com um único organismo vivo, onde os seres humanos estão interconectados com o universo;
- Ecossocialista: defende a queda definitiva do capitalismo e a eliminação de todas as formas de injustiça social apontando assim para o fim da propriedade privada e a aproximação com a natureza.
Apesar da grande diversidade do discurso ecológico há um consenso de que o assunto é de extrema relevância em relação à questão da sobrevivência humana, tendo a expressão desenvolvimento sustentável adquirido grande força nos discursos políticos do mundo atual. É importante ressaltar que o movimento ecológico tem provocado algumas mudanças de atitude, como, por exemplo, a implantação de reservas naturais e o crescimento de agências governamentais relacionadas à questão ambiental e aumento de leis ambientais.
No Brasil, o acelerado crescimento econômico dos últimos 40 anos provocou uma crise ambiental, levando ao surgimento de movimentos ecológicos no país, destacando-se a atuação das ONGs (especialmente na Amazônia, que constitui-se em área de interesse internacional devido à sua ampla biodiversidade). Entretanto, a elite brasileira, em geral, tem rejeitado o discurso ecológico, o que se reflete num padrão de acumulação e comportamento que provoca grandes impactos negativos sobre o meio ambiente.
5. Biossistema Integrado na comunidade Sertão do Carangola, em Petrópolis, RJ
O processo de industrialização consome e contamina um grande volume de água, a qual através de grandes redes de esgoto, é despejada nos rios sem apresentar nenhum tipo de tratamento, colaborando assim para a intensificação da degradação ambiental. A fim de reverter este quadro O Instituto Ambiental - OIA desenvolve projetos de saneamento ambiental que envolvem o tratamento biológico de dejeto humano com reciclagem de nutrientes e produção de biogás.
Esta ONG, com sede em Petrópolis, RJ, foi criada em 1993 com o objetivo de desenvolver no Brasil técnicas alternativas e biológicas de tratamento de esgotos, visando a preservação do meio ambiente.
Inicialmente as técnicas foram repassadas por cientistas alemães da organização Hamburger Umweltinstitut - HUI, a qual implementou em 1991 uma estação básica em Silva Jardim, RJ, que a partir de 1993 passou a ser gerida pelo OIA.
Em 1994 novos projetos foram replicados, dando-se destaque à implementação do primeiro biossistema completo em Petropólis, RJ, na comunidade Sertão do Carangola, em parceria com o SEOP - Serviço de Educação e Organização Popular e com a Associação de Moradores local. Assim, em 5 mil m2, na comunidade Sertão do Carangola - para onde 3 mil desalojados se mudaram em 1982, 1986 e 1988, devido as enchentes ocorridas em Petrópolis - o tratamento local do esgoto através de biossistemas transforma água insalubre em água a nível de balneabilidade com a produção de adubo orgânico para a hoirta-pomar. O biossistema integrado significa uma mudança no conceito de modelo produtivo, pois deixa-se de lado o modelo linear, no qual os resíduos são considerados inúteis, e parte-se para um sistema integrado e renovável onde tudo tem utilização e pode ser aproveitado.O funcionamento do biossistema se dá por meio das seguintes etapas:
Os dejetos são canalizados para o biodigestor (implementado pelos chineses), no qual por meio destes se produz o biogás utilizado para cozinhar.
Em seguida, o efluente do biodigestor segue para tanques de sedimentação/ oxidação por algas verdes
(as quais servem de alimentos para os patos).
Por gravidade, a água passa por lâminas sutis e cai no tanque de peixes (Tilápia vermelha e preta), que se alimentam de algas e micro-organismos, produzindo novos nutrientes. A minialzina aí instalada permite uma maior oxidação para os peixes.
A água segue para os tanques com macrófitas (plantas aquáticas), que reciclam os nutrientes. As macrófitas são utilizadas para fertilização do solo e alimentação das aves, sendo que o excedente vai para a composteira junto com os restos de colheita e biossólido para ser usado na época de maior necessidade para o plantio.
Este sistema pode ser replicado e mantido por pessoas da própria comunidade, o que gera novos postos de trabalho e renda.
Na estação piloto do Sertão do Carangola, o SEOP fornece uma ajuda de custo para os nove adolescentes que cuidam da horta, os quais devem estar freqüentando a escola.
As verduras e legumes produzidos são vendidos em feiras próximas, contribuindo para o aumento da renda mensal das famílias destes adolescentes.
Uma vez por mês estes jovens pescam no tanque de peixes, os quais segundo análises de diferentes laboratórios são aptos para consumo.
O biogás produzido é utilizado para cozinhar, sendo canalizado para o Centro Educacional Infantil Casa da
Paz , o qual atende por volta de 50 crianças em idade de 2 a 5 anos.
A princípio houve certa resistência por parte da comunidade à implantação do biossistema, em conseqüência do mau cheiro e da proliferação de mosquitos. Porém, com o aprimoramento das técnicas tais problemas foram solucionados, utilizando-se, por exemplo, a criação de patos, que comem as larvas dos mosquitos.
6. Conclusão
Por meio dos constantes desastres ambientais relacionados ao modo de produção capitalista, percebe- se claramente uma forte contradição entre seus princípios básicos de funcionamento e a busca de um maior equilíbrio ambiental.
Neste contexto, o desenvolvimento de projetos que buscam uma maior conscientização ecológica através da utilização racional dos recursos naturais é de suma importância para a construção de uma nova concepção das relações sociedade/natureza, a qual rompe com a dicotomia entre o homem e o meio natural.
A implementação de uma estação de tratamento biológico de esgotos na comunidade Sertão do Carangola, em Petrópolis, RJ, é um exemplo claro das mudanças ocorridas ao nível do surgimento de novos valores e visões de mundo, os quais se baseiam na preservação da natureza por meio de um desenvolvimento econômico sustentável.
Referências Bibliográficas: BERNARDES, Júlia Adão e FERREIRA, Francisco Pontes de Miranda (2003): Sociedade e Natureza. In: CUNHA, S. B. da e GUERRA, A. J. T. (org.): A Questão Ambiental: Diferentes Abordagens. Editora Bertrand Brasil, Rio de Janeiro. DUARTE, Rodrigo A. de Paiva (1986): Marx e a Natureza em O Capital. Edições Loyola, São Paulo.
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