segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Parteiras tradicionais: um retorno à valorização do parto natural. Entrevista com Paula Viana


Publicado em agosto 19, 2010 by HC
Expectativa, medo, curiosidade, angústia, planejamentos… toda mulher grávida vive um misto de sentimentos na esperança de que seu bebê esteja e seja saudável, que seja uma pessoa boa, um ser humano de bom coração, que venha ao mundo de forma tranquila, sem sofrimento. Enquanto algumas mulheres, pensando na segurança do filho, escolhem o parto no hospital, algumas vezes através de cesárea, hoje muitas mães querem um parto mais humanizado e natural e algumas têm optado pelo acompanhamento das parteiras tradicionais. Aproveitando o Encontro Nacional Parteiras Tradicionais: Inclusão e melhoria da qualidade da assistência ao Parto Domiciliar no SUS, a IHU On-Line entrevistou, por telefone, a enfermeira e parteira Paula Viana. “Uma vez, no interior do Amazonas, conversei com uma médica e uma parteira. E a médica perguntou: ‘qual é a diferença do meu atendimento para o seu?’. Desta forma, a parteira respondeu: ‘a diferença é que você tem pressa e eu não’”, relatou.
Paula Viana é enfermeira-obstetra em Recife (PE), faz partos domiciliares e coordena o Grupo Curumim, uma organização não governamental feminista que desenvolve projetos de fortalecimento da cidadania das mulheres em todas as fases de suas vidas.
IHU On-Line – Em que sentido a parteira é mais humana do que o médico em relação ao parto?
Paula Viana – A parteira representa o elo entre a comunidade e o Sistema Único de Saúde (SUS). Elas têm um trabalho de atenção integral à saúde da mulher e da criança, pois acompanham toda a gravidez, conhecem a vida das famílias, chamam-nas pelo nome e representam o mesmo nível social e econômico dos clientes, o que aproxima ainda mais a parteira da mãe. Isso é fundamental para o momento da gravidez, do parto e do pós-parto.
O parto não é só um evento médico, é um evento social e familiar que tem a mulher como protagonista. Então a parteira tem essa capacidade de interagir de forma mais humana, no sentido do pensamento mais holístico. Não que não haja médicos que façam assistência desse tipo. Porém há uma distância maior entre médicos e médicas e as mulheres das comunidades indígenas, ribeirinhas, quilombo, floresta, onde estão as parteiras tradicionais. Elas têm muito o que ensinar para nós.
Uma vez, no interior do Amazonas, conversei com uma médica e uma parteira. E a médica perguntou: “qual é a diferença do meu atendimento para o seu?”. Desta forma, a parteira respondeu: “a diferença é que você tem pressa e eu não”. As parteiras não têm pressa mesmo, elas acompanham a mãe e isso torna o parto mais humano.
IHU On-Line – Você pode descrever o panorama geral da situação das parteiras tradicionais no mundo?
Paula Viana – Há um movimento internacional das parteiras, que reúne parteiras de vários países da América do Sul, do Canadá, do México, Europa. Esse movimento busca a valorização dessas trabalhadoras em saúde e também respeito às suas tradições. A tecnologia, quando entrou na sala de parto, veio para ajudar. Nós agradecemos porque existe a possibilidade da cesárea para que possamos salvar vidas. No entanto, essa tecnologia afastou a ideia do parto como um evento antropológico e social. A luta do movimento internacional é para que a parteira seja vista como uma aliada. Ela tem que ensinar ao sistema público de saúde, mas ela também tem que aprender.
IHU On-Line – Hoje, quando e como uma mulher se torna parteira?
Paula Viana – Existem alguns tipos de parteiras: tem a enfermeira-obstetra, que é uma parteira. Eu mesma sou uma enfermeira-obstetra, uma parteira domiciliar. Existe a parteira que faz um curso técnico de três anos que é treinada só para o parto normal e tem formações originais diferentes. Já a parteira tradicional é aquela formada pela experiência. Algumas dizem: “eu aprendi no susto”. Aqui no encontro há 26 parteiras tradicionais e 34 enfermeiras e médicos. Essas 26 trazem relatos muito interessantes quanto a sua formação. Uma disse que começou aos 12 anos de idade. Ela foi chamada numa primeira ocasião, depois é chamada de novo e com isso vão pegando experiência. A teoria é importante, a parte tecnológica da obstetrícia é fundamental, mas o que conta mesmo é o conhecimento empírico. Um dos intuitos desse encontro é dizer o quanto é importante que essas parteiras tradicionais repassem seus conhecimentos às mais novas.
IHU On-Line – O que acontece quando um parto dá errado? A quem a parteira pode recorrer?
Paula Viana – Esse encontro é a finalização de um processo que dura dez anos. Ao longo desse período percebemos que as complicações não acontecem porque a parteira está atendendo. Os problemas ocorrem porque não existe um sistema de saúde apoiando. A parteira que faz parte dos cursos e recebe material sobre cuidados tem a capacidade de acompanhar fatos que podem complicar na hora do parto. Se a mulher faz um pré-natal de qualidade e a parteira está próxima e ocorre algum problema, ela consegue diagnosticar precocemente. Quando o município dá apoio, certamente dispõe de sistema de transporte que possa levar em tempo a mulher e o bebê ao hospital. Hoje, a mortalidade materna e neonatal não tem relação com o trabalho da parteira tradicional,
IHU On-Line – Qual a sensação quando um parto dá errado?
Paula Viana – Ela se sente muito impotente. Muitas vezes as parteiras, como falei antes, têm um nível econômico muito parecido com o da mulher que está atendendo. Quantas e quantas parteiras que conheci colocam dinheiro do próprio bolso para pagar uma gasolina, o aluguel de um carro para levar a mulher a um hospital ou mesmo levá-la até a casa da grávida. Mas a parteira tem limites. E esse encontro que estamos fazendo em Brasília serve, justamente, para que o SUS, o Ministério da Saúde, os governo municipais e estaduais incluam o trabalho da parteira tradicional nas suas políticas.
IHU On-Line – Como a parteira se prepara para ajudar a mulher no momento do parto?
Paula Viana – Há tantas formas. Há uma diversidade enorme de formações no Brasil. Assim, as mulheres se preparam no embate, no dia a dia, a partir do seu conhecimento. Estados como Amazonas, Pernambuco, Paraíba, Acre, Pará têm dado material para as parteiras. Assim, elas têm bolsa para carregar seus materiais, recebem instruções para esterilização do material e acomodação de equipamento. Elas se preparam na vida e aproveitando esses cursos e encontros que estão sendo realizados.
IHU On-Line – Como foi o processo para tornar responsabilidade do SUS o nascimento domiciliar assistido por parteira?
Paula Viana – Desde 1940 existem políticas que visam tornar a parteira parte do sistema. Em 1991, foi escrito um Programa Nacional de Parteiras Tradicionais e iniciou-se nos estados uma série de ações, capacitações, cursos. Já a partir de 2000, que é o processo que estamos finalizando agora, esse trabalho se voltou muito aos municípios, colocando para eles suas responsabilidades. É preciso saber quem, lá na comunidade, gerencia a saúde da população e o responsável é o município. Está presente aqui no encontro uma representante do Conselho Nacional de Secretários Municipais.
Esse processo é lento. As parteiras reivindicam uma remuneração pelo trabalho e até hoje pouquíssimos municípios tornaram isso realidade. Poucos também forneceram material e as vincularam ao sistema de saúde. Isso tudo faz parte da nossa luta. Nós sabemos que aos poucos vamos superando as barreiras, um dos maiores é o corporativismo médico. As parteiras não querem substituir ninguém, mas elas existem e precisam do apoio do SUS que tem que dar conta tanto de UTIs neonatal de alta tecnologia quanto àquele parto feito na beira do rio feito com luz de candeeiro. Esse é um direito básico nosso como cidadãs brasileiras.
IHU On-Line – Por que está ficando mais forte hoje o retorno às parteiras?
Paula Viana – Esse movimento também se deve às parteiras. Elas sempre existiram. Porém, estão ganhando mais repercussão porque algumas organizações do movimento feminista têm dado mais atenção à questão atualmente uma vez que as parteiras representam um retorno ao parto normal e a valorização do parto natural.
(Ecodebate, 19/08/2010) publicado pelo IHU On-line, parceiro estratégico do EcoDebate na socialização da informação.
[IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.]

São Paulo: O lixo, afinal, no rumo certo, artigo de Washington Novaes


Publicado em novembro 29, 2010 by HC
lixão
[O Estado de S.Paulo] Anuncia-se decreto com base no qual, cumprindo uma lei de 2002, a Prefeitura de São Paulo afinal vai cassar os alvarás de bares, restaurantes, lojas e outros estabelecimentos que deixarem de contratar empresas privadas para recolher seu lixo, se produzirem mais de 200 quilos (equivalentes a três sacos) por dia. Não há outra solução para as 4.147 empresas cadastradas como “grandes geradoras”, diz a Prefeitura, embora já haja mais de 5 mil com cadastro vencido e se estime que o total de grandes geradoras seja de mais de 100 mil (entre 1 milhão de empresas). Também órgãos públicos (com exceção de escolas) terão de se enquadrar. A decisão tem forte apoio das empresas que hoje coletam todo o lixo, já que, por receberem valores fixos (e não por tonelada), terão seu trabalho reduzido. E a Prefeitura acaba de prorrogar por um ano o contrato de varrição com cinco empresas, por R$ 437 milhões.
Também não há outra solução para a área de resíduos a não ser cobrar de quem os gera os custos de coleta e destinação. É assim em todos os lugares do mundo onde melhores soluções foram encontradas. São Paulo chegou a ensaiar um projeto nessa direção há alguns anos, criando uma taxa na administração Marta Suplicy – que acabou voltando atrás e dizendo que fora um grave erro político. Por essa e outras, a cidade continua sem solução para as 17 mil toneladas diárias de lixo que gera, com seus aterros esgotados e passando por usinas de triagem apenas 5% do lixo total, que tem algum aproveitamento. Mas a cidade, segundo a Sabesp, chega a despejar 400 toneladas de lixo por dia na Represa Billings.
Na verdade, é uma situação comum na maior parte das grandes cidades brasileiras, todas com seus aterros esgotados, sem novas soluções, pagando fortunas para transportar e depositar seu lixo a grandes distâncias. É assim em Belo Horizonte, em Curitiba, no Rio, no Recife (que paga R$ 1,2 milhão por mês por 1.700 toneladas diárias). Brasília não tem solução para o seu lixo, que em grande parte continua a ser depositado num lixão. Em Goiás, esgotou-se o prazo dado pelo Ministério Público para que 132 de seus 246 municípios apresentassem alternativas para os lixões onde depõem os seus resíduos.
Em São Paulo, restaurantes, bares e outros estabelecimentos comerciais já anunciam que vão cobrar de seus clientes os custos da contratação de empresas transportadoras do lixo. É justo que seja assim: o ônus, o custo, deve caber a quem o gera; não deve ser transferido para toda a sociedade, indiscriminadamente, em impostos ou taxas genéricos. E em quase todo o mundo o princípio é esse. Um dos países onde o sistema deu mais certo – inclusive porque vai até mais além – é a Alemanha, que criou o sistema Green Dot (Ponto Verde). Ele estabelece que os custos com os resíduos cabem a quem os gera, desde a indústria até o gerador domiciliar. Com base nele, implantou-se no país um sistema de coleta dupla: o poder público recolhe nas residências e nos estabelecimentos comerciais o chamado lixo orgânico e dá-lhe destinação (compostagem ou incineração); o gerador domiciliar ou comercial de lixo paga uma taxa proporcional ao volume da lata ou contêiner que utilize (10 litros, 20 litros, etc.). O chamado lixo seco (papel, papelão, latas, vidros, etc.) é separado à parte e recolhido pelo sistema Green Dot, que também lhe dá destinação (reutilização, reciclagem ou incineração). Grandes volumes exigem coletas especiais, pagas separadamente das taxas.
Com a introdução desse sistema, os produtores industriais daquilo que se pode transformar em lixo tiveram interesse em reduzir suas dimensões, seu peso e número – já que pagam ao Green Dot proporcionalmente. E com isso o volume de lixo seco na Alemanha se havia reduzido em 15% em oito anos, quando o autor destas linhas lá esteve documentando o sistema para uma série na TV brasileira. Não é pouco.
Em todos os países da Escandinávia vigoram sistemas semelhantes, sempre com o mesmo princípio: os custos da coleta e destinação cabem a quem os gera. Em alguns deles, entretanto, as regras são mais fortes, chegam a proibir a utilização de determinados materiais, para evitar o aumento do lixo. Mas as pressões industriais são sempre muito fortes, há avanços e recuos.
Onde as regras são mais consolidadas e avançadas, como na Suécia, há sistemas sofisticados de reciclagem até de veículos. Ali, o comprador de um veículo novo paga, nesse momento, uma taxa de reciclagem, pela qual recebe um certificado – que passa adiante no momento em que se desfaz do veículo. A taxa vai de mão em mão até o último proprietário, que julga não ter o veículo mais condições. Leva-o, então, a uma empresa de reciclagem autorizada e dela recebe o valor da taxa que acompanhou o veículo. A empresa recicladora, primeiro, recolhe todos os fluidos do veículo, destina-os a sistemas especiais de reciclagem. Em seguida, retira tudo o que ainda pode ser utilizado – vidros, pneus e outros materiais -, que revende, dando certificados de garantia.
A carcaça restante é recolhida por outra empresa, que a submete a prensagem e encaminha a uma terceira, que a pica e destina os materiais resultantes a siderúrgicas (para serem queimados em altos fornos) ou à substituição de brita, quando é o caso. A Suécia espera que no final desta década já esteja reciclando 100% dos veículos.
Soluções existem. Mas em quase todos os lugares no Brasil os administradores públicos fogem delas, por temerem a impopularidade com a cobrança de taxas específicas. Pensam eles que, diluído o custo por todos os contribuintes, sem identificá-lo, não haverá protesto. Mas é muito injusto. Favorece quem já pode mais e gera mais lixo – e ainda vai pagar menos impostos. Dificulta o controle das contas. E estimula a geração de mais resíduos, que não terão onde ser dispostos. Estimula a degradação urbana.
Washington Novaes é jornalista.
Artigo originalmente publicado em O E

Bahia lança programa que transforma água salgada em água doce


Publicado em novembro 29, 2010 by HC
O Programa Água Doce inaugura no dia 30/11 (terça-feira) a Unidade Demonstrativa na comunidade de Minuim, em Santa Brígida, no semiárido baiano
A primeira Unidade Demonstrativa do Programa Água Doce (PAD) será inaugurada na comunidade de Minuim, no município de Santa Brígida, no próximo dia 30 de novembro. O programa é uma ação do governo federal através do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e coordenado, na Bahia, pelo Instituto de Gestão das Águas e Clima (Ingá). Na ocasião serão assinados os acordos de gestão do sistema de dessalinização e de gestão da criação da tilápia.
O objetivo do ‘Água Doce’ é melhorar as condições de vida do Semiárido, onde boa parte da população consome água subterrânea salobra. Segundo a coordenadora do PAD, na Bahia, e bióloga da Coordenação de Planejamento de Recursos Hídricos do Ingá, Maria do Carmo Nunes, “o programa estabelece uma política de acesso à água de boa qualidade, que suprirá aos moradores água potável, geração de renda e melhoria na qualidade alimentar”, afirma.
A Unidade Demonstrativa (UD) é um sistema de produção integrado, onde a comunidade obtém água para consumo humano, e ainda utiliza o concentrado (o que sobra após a dessalinização) na produção de peixes e na irrigação de plantas que servem de alimento a caprinos e ovinos. “Na UD, esse sistema de produção estará disposto para visitação, exposições, aulas e demonstrações, com o objetivo de multiplicação desse modelo”, explica Maria do Carmo Nunes.
O Ministério do Meio Ambiente (MMA), por meio da Secretaria de Recursos Hídricos e Ambiente Urbano, faz a coordenação nacional da UD, com supervisão técnica da Embrapa Semiárido e com apoio do Banco Nacional de Desenvolvimento Urbano (BNDES). Entre os parceiros estão o Ingá, a Prefeitura de Santa Brígida e a comunidade de Minuim. O Programa Água Doce foi criado em 2004 e, desde então, cerca de 500 pessoas já foram qualificadas e repassam técnicas para as comunidades atendidas em UDs.
“Minha expectativa é que, com a implantação da UD, a comunidade de Minuim (cerca de 250 famílias), em parceria com o Núcleo Gestor do PAD, na Bahia, e com a Coordenação Nacional do Programa, contribuam para a manutenção produtiva”, declara a coordenadora e acrescenta: o plano de ação do Água Doce tem metas a atingir até 2019”, finaliza.
Sistema Integrado
O Sistema Integrado de Reuso dos Efluentes da Dessalinização, além de produzir água potável, reaproveita o concentrado enriquecido em sal, proveniente da dessalinização para a criação de tilápias (peixes de água doce que se reproduzem até mesmo no mar) e no cultivo de uma planta conhecida como erva-sal, utilizada na alimentação de caprinos e ovinos. Os peixes são comercializados pela comunidade e o dinheiro da venda é usado para manter o próprio sistema.
De acordo com Maria do Carmo, no primeiro momento, a água é retirada do aqüífero por meio de um poço profundo, enviada a um dessalinizador e armazenada em um reservatório para distribuição. Na segunda etapa, o rejeito do dessalinizador é utilizado para cultivar a tilápia. Na terceira fase, o concentrado dessa criação, rico em matéria orgânica, é aproveitado para irrigar a erva-sal (Atriplex nummularia), por sua vez utilizada na produção de feno para alimentar ovelhas e cabras.
O sistema produtivo utiliza uma área total de cerca de dois hectares, possui dois viveiros de tilápias, um tanque para reciclagem do concentrado e uma área irrigada para cultivo da erva sal, além da área para produção do feno. “Para que uma localidade possa receber um sistema semelhante, deve ter um poço com vazão mínima de 3 mil litros de água por hora, solo compatível com o sistema de irrigação de erva sal, área pública para implantação do sistema, exploração pecuária e experiência cooperativa da comunidade”.
As comunidades beneficiadas também são escolhidas de acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e com as indicações pluviométricas do município, ausência ou dificuldade de acesso à fontes de abastecimento de água potável e altos índices de mortalidade infantil também são considerados, além do tamanho da área a ser implantada a UD.
SERVIÇO
Inauguração da Unidade Demonstrativa do Programa Água Doce na Bahia
Local: Comunidade de Minuim (Município de Santa Brígida, BA)
Data: 30/11/2010
Programação
8h – Povoamento dos 2 mil alevinos de tilápia holandesa no viveiro
10h – Abertura oficial e visita à Unidade Demonstrativa
Mais informações
Ascom Ingá (71)3116-3286

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Águas do Brasil, rios de minha vida inteira - Sérgio Abranches



Sempre tive paixão pelos rios. Cada fase de minha vida foi marcada por um rio, do qual guardo vívida lembrança.
Na infância, foi o rio das Velhas. Para ele fiz alguns poemas. Vou mostrar um deles, nesse Dia de Ação dos Blogs dedicado à água. Na pré-adolescência, foi o São Francisco. Na juventude, o rio Descoberto, de Goiás. Na maturidade, os rios do Pantanal e da Amazônia.
Sobre o rio das Velhas, minha lembrança mais viva era das mulheres dos caboclos sertanejos lavando suas roupas brancas nas águas límpidas. Intuía o destino do rio, embora não tivesse a menor noção de que, no futuro, aquelas águas limpas se tornariam tóxicas. Dessa intuição, o poema:
Lavadeiras de Minas
Lavadeiras do Rio das Velhas,
pernas fortes, coração grande,
vida pequena.
Mulheres de Minas,
campesinas da madrugada,
saias brancas enfunadas.
Lavadeiras mineiras,
vendo o rio se acabar.
O que passarão a lavar?
(Brasília, 1966)
Hoje o rio das Velhas é um curso d’água quase imprestável, quase sem vida. Objeto da ação heróica do Apolo Heringer Lisboa, professor da escola de medicina da UFMG. Ação que hoje ficou, como ele sempre quis, maior que ele, no sólido Projeto Manuelzão. Apolo transformou sua paixão por rios em ação militante e blog.
A meta para o rio das Velhas é simples e quase impossível: navegar, pescar e nadar no rio das Velhas, em sua passagem pela região metropolitana de Belo Horizonte, a mais poluída da bacia do Velhas, que vai da foz do rio Itabirito até o ribeirão Jequitibá.
A viagem inesquecível da minha pré-adolescência foi com meu bisavô Juca, meu pai Fernando e meu tio Renato, em um jipe Willys, do meu Curvelo natal até Três Marias, para ver a piracema no São Francisco. Meio aventura, meio deslumbramento, cortando estradas de chão, pelo poeirão vermelho do sertão cerrado, a viagem ficou indelével em minha memória. E toda vez que vejo o São Francisco definhando, assaltado por esgotos, mau uso e uma transposição de águas que já não tem, me lembro do espanto ao vê-lo no entardecer, grandioso, caudaloso, parecendo imortal. Agora, pegam seu corpo envelhecido e maltratado e querem que ele dê mais de suas águas. Como uma doação de sangue feita forçosamente por uma pessoa em aguda anemia. Em breve, não chegará ao mar. Hoje, perdeu as forças e o mar já o invade por quilômetros. Quando era forte e impoluto, avançava sobre o mar, adoçando suas águas por muitas milhas náuticas. A ponto de permitir que navegantes se afastando da costa ainda bebessem delas.
O rio da minha juventude foi o Descoberto, na divisa de Brasília com Goiás, dele vem mais da metade da água consumida por Brasília. Ele nasce no alto dos córregos Barracão e Capão da Onça, em área que hoje pertence a Brazlândia. Já no início da sua caminhada, começa a sofrer o impacto da ocupação desordenada e da agricultura predatória. Mais abaixo, forma o lago da barragem que abastece o DF, uma área precariamente protegida por uma APA. Saindo da APA, é um desastre só. Como meu rio das Velhas, ele se torna um fluxo tóxico, contaminado pelos efluentes agrotóxicos e pelos esgotos do crescimento urbano sem saneamento e sem regra, e vai contaminar o rio Corumbá.
Os rios do Pantanal e da Amazônia, só pude conhecer já bem adulto. Aí já não tinha a ingenuidade da juventude. Ao descer deslumbrado o rio Negro, no Pantanal, uma região ainda bastante preservada por ser de mais difícil acesso, com uma profusão impressionante de aves, mamíferos, répteis, sabia que era frágil e que, como todas as águas do Brasil, está ameaçado.
O outro rio Negro, no Amazonas, uma paixão particular, à qual retorno sempre que posso, não deixa ilusões. Já no porto de Manaus se vê que ninguém tem respeito algum por aquelas águas. Rio acima, encontra-se uma das maravilhas do Brasil, as Anavilhanas. Mas aquele belíssimo labirinto de ilhas é hoje uma rota-esconderijo para traficantes que descem vindos da fronteira na região da Cabeça de Cachorro e vão corrompendo ribeirinhos, principalmente jovens.
Não, as águas do Brasil não vão bem. Estão desprotegidas e atacadas de todos os lados. Eu vi a sanha com que os fazendeiros do entorno querem assaltar o parque Grande Sertão: Veredas, que começa em Minas, na cidade de Chapada Gaúcha, e se derrama por Goiás, até a Bahia. Ele protege duas riquezas. Parte do trajeto percorrido por Riobaldo e Diadorim na estória de Guimarães Rosa. E o Cerrado e suas águas. Cerrado é manancial, mas a maioria do Brasil o vê como mato sem importância. Cerrado é vida. Basta ver o que está acontecendo nas fazendas de soja no entorno do parque, onde não se deixou uma árvore de pé. Sem vegetação e mata ciliar, foram-se as águas, acabaram-se as veredas. Está virando deserto. Por isso querem as águas do Cerrado. Para entender o que digo, é preciso caminhar por uma vereda, banhar-se nas águas limpas de um Caninanha, que é preto, ou de um Preto, que é quase translúcido. Ver para crer, a simbiose entre sertão, vereda e a água da vida.
O Brasil acha que suas águas são inesgotáveis e elas não são. Recentemente aprendeu a se orgulhar do Aquífero Guarani, como um dos maiores do mundo, mas não está nem aí para os perigos que ele corre. Estamos usando suas águas a um ritmo muito superior à taxa de reposição. Suas águas já estão muito poluídas em vários pontos.
Os rios da Amazônia são hoje vistos como potencial hidrelétrico. Não são. Eles são parte da vida da floresta e seus povos e valem mais dessa forma, para nós, do que alimentando projetos duvidosos como de Santo Antonio, Jirau e Belo Monte. Temos muita biomassa, muito ar e muito sol, para acharmos que só nossas águas podem ser combustível. E hidrelétricas em rios sedimentosos, repletos de matéria orgânica não são limpas. Podem emitir mais que uma termelétrica fóssil.
Em cidades da região das serras da Capivara e das Confusões, áreas de extraordinária riqueza ecológica e pinturas rupestres que rivalizam com as francesas, lava-se calçadas com “água fóssil”, de um dos mais antigos aquíferos do Brasil, como me contou Niède Guidon, certa vez. Quando ela chegou na região, era tudo floresta. A caatinga veio depois. Vejam só o que ela conta: “Você tinha caatinga arbórea no planalto. Na planície era tudo floresta pau d´arco e aroeira. O rio Piauí corria, a cidade de São Raimundo tinha uns 10 lagos cheios de garça e pássaros. (…) Na Serra da Capivara só tinha um pequeno povoado com cerca de cento e poucas famílias. Eles iam lá fazer roça, não moravam ali. Na Serra das Confusões não tinha ninguém. Era completamente vazio, era tudo Mata Atlântica.”
Claro, nada é para sempre. Mas, com desperdício, sem cuidado e preservação, o que pode ir longe, acaba antes. É o caso de nossas águas. Não há rio importante do Brasil que não esteja ameaçado: São Francisco, Doce, Tocantins, Solimões, Negro, Amazonas, Paraguai e todos os outros, correm grande perigo. Achamos que nossas águas são, como nossas matas, uma riqueza. São mesmo. Achamos que podíamos usá-las como quiséssemos, porque estavam aí para isso. Não podíamos. Achamos que nossas águas não acabariam. Podem acabar sim. Como já acabaram os banhos, as lavadeiras, a pesca em tantos rios do Brasil.
O Brasil tem muita água e rios lindos. Mas como doem.

Ei, mas o sertão não é mais de vidas secas?



Crônica de uma sequência de viagens aos rincões do Nordeste — onde surgem, em meio à pobreza, sinais de superação do atraso e de muita vitalidade social
Por Ibirá Machado
Durante os meses de junho a agosto de 2009 tive a oportunidade de passar cerca de 45 dias no sertão nordestino. Foram três viagens consecutivas no interior dos estados do Piauí, Pernambuco e Ceará, respectivamente, com uma rotina diária corrida de visitas a dezenas de famílias.
Eu sabia, em parte, o que me esperaria, mas jamais imaginava ser obrigado a desconstruir toda uma imensa imagem que nunca ninguém – nem nada – tinha feito o favor de mudar. É muito verdade que é somente com a experiência real que podemos entrar em contato verdadeiro com uma realidade, ainda que sua absorção e compreensão dependam demasiadamente de nossa própria subjetividade.
E foi assim que, graças ao emprego que eu tinha como consultor ambiental, fui lançado à caatinga para coordenar o cadastramento de cerca de 1.500 famílias cujas propriedades seriam atravessadas pela Ferrovia Transnordestina, em exatos 1.728 quilômetros de extensão. Informações levantadas, esses dados serviriam depois à elaboração dos programas básicos ambientais durante e após as obras da Ferrovia – uma das principais promessas do governo Lula dentro do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
Meu primeiro contato com o Nordeste – que eu nunca tinha visitado – foi pelo Piauí. Pousei em Teresina e parti direto 500 quilômetros ao sul da capital, até a cidade de Eliseu Martins, onde ficará o pátio final da Transnordestina. Ali, a caatinga perde espaço para o cerrado e é evidente que a seca não se configura como realidade tão grave quanto no semi-árido propriamente. No entanto, enquanto estado com o menor PIB per capita do Brasil, o baixo poder aquisitivo é generalizado e visível por todos os lados.
Mas foi percorrendo os quase 500 quilômetros dali em direção à fronteira com o estado do Pernambuco, no coração do semi-árido, que as surpresas começaram a aparecer.
Pouco a pouco, conforme entrávamos em contato com as famílias e víamos o próprio contexto socioespacial em que viviam, assustei-me com o básico que eles possuíam – coisas como água, saneamento, eletricidade, alimentação e saúde. Mas o susto não dizia respeito à precariedade desse básico – e nem é esse, mesmo, o ponto –, mas sim por saber que quase nada daquilo existia há pouco mais de cinco anos.
Inevitavelmente, no contato visual já salta à vista as cisternas construídas na quase totalidade das casas do semi-árido, que captam águas das chuvas a partir de calhas nos telhados, e que começaram a ser instaladas ainda no final do governo FHC. Como efeito imediato, e talvez inesperado, além de terem à porta de casa água potável quase o ano inteiro (quando a água da cisterna acaba, caminhões-pipa do exército passam repreenchendo-as), uma das mais importantes pilastras do coronelismo foi subitamente extinta. Com propriedades grandes o suficiente pra conterem açudes ou represas, os antigos “coronéis” ofereciam suas águas (de qualidade incerta) em troca de, no mínimo, votos.
Mas a água das cisternas não é tudo, embora já garanta uma qualidade de vida antes impensada. Também foram construídos imensos poços regionais, com bombas elétricas, que redistribuem uma certa quantidade de água para caixas d’água e das caixas para as casas, possibilitando a implementação de outro quesito que, para nós, é absolutamente básico: banheiro. Até poucos anos atrás, qualquer necessidade fisiológica de uma imensa parcela dos moradores do semi-árido nordestino era aliviada literalmente no meio do mato.
Acontece que mesmo esses poços regionais não seriam implementados caso o programa Luz Para Todos também não tivesse sido amplamente disseminado, por todos os cantos e descantos da caatinga. Possibilitou-se, assim, vetores de desenvolvimento antes impossíveis de serem criados, dando respaldo a melhoras sensíveis nos indicadores de desenvolvimento humano da região.
Aliado a isso, o efeito dos agentes do Programa de Saúde da Família (em realidade estabelecido desde 2006 como Estratégia de Saúde da Família, já que não há objetivo final desta ação, e sim uma continuidade), que existem desde a década de 90, foi potencializado e permitiu-se o estabelecimento de novos paradigmas de saúde básica. Esses fatores integrados estão proporcionando uma silenciosa pequena revolução na saúde pública brasileira, vagarosamente incutindo nas famílias novos padrões de higiene, desonerando, assim, o custo desnecessário dos postos de saúde. Tradicionalmente, os brasileiros sempre buscaram postos de saúde por causas escusas, gerando filas e prejudicando a necessidade de atendimento daqueles que efetivamente precisam.
E foi também no meio disso que entrei em contato direto com o mais polêmico dos fatores que estão revolucionando a vida dos moradores do sertão: o Bolsa Família. Antes incapazes de plantarem e criarem o alimento mínimo suficiente, por diversos fatores – dentre eles a condição semi-árida e a histórica exclusão tecnológica que permitisse melhoras na produção –, agora com uma renda mínima oferecida pelo Bolsa Família já é possível não mais morrer de fome, literalmente.
E ainda com a água que hoje todos têm em casa, é muito raro um animal morrer de sede, sobretudo as aves, cenas que antes faziam parte de nosso imaginário sobre o sertão nordestino. Ou seja, melhorou não só o acesso ao alimento, como também melhorou a qualidade da alimentação em si.
Como contrapartida obrigatória, o Bolsa Família exige que as crianças estejam matriculadas nas escolas. Ao conversar com as famílias, ficou claro que antes disso ser instaurado, ao menos na época das semeaduras e das colheitas as crianças não iam às escolas, pra ajudarem na lida familiar. Agora, no entanto, elas não só vão sempre à escola, como isso também está começando a alterar a rotina das famílias do sertão, e também de todas as comunidades.
Foi intensificada sobremaneira a oferta de transporte público escolar para os moradores das áreas rurais, de forma a garantir que este prerrequisito básico seja efetivamente cumprido. Mas embora os dados comprovem que as faltas escolares tenham sido reduzidas em mais de 30%, o desempenho dos estudantes não melhorou. Evidencia-se o que já sabemos: a condição das escolas – ainda que o número delas também tenha sido ampliado – e a valorização dos professores ainda têm muito o que melhorar.
E ainda sobre o Bolsa Família, seu segundo efeito impressionante foi explodir o comércio dos vilarejos e cidades do interior do sertão nordestino, dando impulso a um ciclo econômico regional cujas dimensões, talvez, não poderiam ser imaginadas. O que vi foram cidades iniciando um ciclo econômico sem precedentes, com geração de emprego também sem precedentes, com o estabelecimento de uma dinâmica urbana que era simplesmente inexistente desde que o Brasil era Pindorama.
Isso porque eu ainda estava no Piauí. Ao transpor a fronteira para o estado seguinte, no mês seguinte, deparei-me com um Pernambuco de pernas para o ar. Crescendo economicamente três vezes mais que o Brasil, sendo proporcionalmente o estado com a maior carga de investimentos do país, Pernambuco vem registrando transformações semelhantes à que a China vem vivendo e isso é algo absolutamente visível e impressionante.
Tudo o que eu havia visto até então no Piauí, de transformações socioeconômicas recentes, repetia-se em Pernambuco, mas com a diferença de que neste estado ainda mais coisas estavam acontecendo, em dimensões muito diferentes. Com área menos que a metade da área do Piauí, mas com população quase três vezes maior, seria impossível não ver em Pernambuco efeitos de transformações ainda mais intensas.
Bem no centro do semi-árido, a cidade de Salgueiro, distante 500 quilômetros de Recife, acabou também servindo de centro pra muitas das transformações que não só o estado vem vivendo, mas também toda a região. Ali, a Ferrovia Transnordestina já estava em obras, de um pequeno trecho que ligaria a cidade ao município de Missão Velha, no sul do Ceará. Não só bastasse isso, polêmicas também à parte, a transposição do rio São Francisco, já estava a pleno vapor quando por lá passei, tendo Salgueiro também como base.
Consequentemente, o município começa a servir de vetor da interiorização do desenvolvimento socioeconômico da região, graças à interligação um eixo até então inexistente, entre as cidades gêmeas de Petrolina-Juazeiro (entre PE e BA, às margens do rio São Francisco) e Juazeiro do Norte (CE).
Mas antes de falar um pouco mais deste vetor, é necessário que se diga um pouco mais a respeito da transposição do Velho Chico. A obra é deveras polêmica, cara e sua abrangência, na realidade, ainda é um tanto incerta. No entanto, a se considerar o restante de gastos que já estão sendo realizados não só em Pernambuco, mas também em todos os outros estados do Nordeste brasileiro, é uma falácia defender que esses mais de quatro bilhões de reais poderiam ser investidos em outras áreas. Também é impossível afirmar que o retorno de um investimento desta monta seria mais expressivo se aplicado em outros setores.
A transposição já está dando respaldo a projeções futuras de vários municípios de toda a área de alguma forma envolvida. Em pouco tempo em que a obra estiver pronta e vertendo água para outras bacias hidrográficas do semi-árido, inúmeros municípios que antes contavam com represas outrora construídas pelo centenário DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas), logo poderão utilizar estas águas para irrigação dos agricultores locais. Se quem vai se beneficiar destas irrigações serão os grandes proprietários, é impossível saber. Mas afirmar que somente 5% do Nordeste será beneficiado é não acreditar no estabelecimento de novas condições de infraestrutura para a ultra necessária interiorização da economia nordestina. E, daí inquestionavelmente, a área afetada positivamente será muito superior a 5% do Nordeste.
E é então neste contexto que entra no cenário outro importante município da região, ainda em Pernambuco: Serra Talhada. Distante 400 quilômetros de Recife, Serra Talhada já apresentava um desenvolvimento econômico mais expressivo que Salgueiro antes que toda essa revolução se iniciasse. Após o início desse processo, no entanto, a cidade foi escolhida para receber um muito bem equipado campus da Universidade Federal Rural de Pernambuco (Unidade Acadêmica de Serra Talhada – UAST), que, unindo-se a outras universidades já existentes ali, consolidou o município como polo educacional do interior nordestino.
Criado em 2006, o campus hoje oferece cursos de Agronomia, Biologia, Economia (com ênfase em Economia Rural), Engenharia de Pesca, Sistemas de Informação, Licenciatura em Química, Administração, Zootecnia e Letras. Levando para o interior do estado um sem precedentes número de estudantes, a UAST iniciou um processo que o Sudeste brasileiro já estava plenamente acostumado com seus campi pelo interior dos estados. Essa nova realidade não só já está absolutamente contribuindo com o desenvolvimento socioeconômico da região, como está ajudando significativamente a suprir uma demanda cada vez mais crescente de mão de obra qualificada em toda a região do semi-árido.
E talvez não coincidentemente, é em Serra Talhada que esta nova configuração educacional e cultural está se configurando no interior de Pernambuco, justamente onde nasceu e construiu sua fama nada mais que Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião.
Assim foi que, sabendo disto, a cada casa que parávamos e que havia alguém realmente idoso, não tinha como não perguntar se a pessoa chegou a conhecer Lampião. Parece besteira, mas se não for em oportunidades como estas, ou entramos em contato com a história e todas as suas mais incríveis, deliciosas e assustadoras revelações, ou passamos reto por um mundo que vai sempre nos parecer insosso. Mas dona Ana garantiu nossa viagem pelo sertão do Vale do Pajeú; nos seus quase 80 anos, era ela neta do primeiro inimigo de Lampião, nunca morto por ele, mas que, segundo ela própria, teria motivado a construção do mito Lampião, o mais temido cangaceiro que tivemos notícia. Não tínhamos tempo a perder com conversas nas casas das famílias – já que eram muitas –, mas nessas horas fazemos do tempo algo secundário, se não inexistente, e a vida se abre com sua música, cores e formas.
Daí seguimos em direção à Zona da Mata pernambucana e pela primeira vez em quase um mês eu veria uma mata úmida no nordeste, deixando pra trás o sol e a secura da caatinga. Só não esperava que ver esta tal umidade nordestina resultaria no cancelamento do cadastramento das últimas trinta famílias do Pernambuco, tantas eram as chuvas.
Ainda assim, nossa base neste processo final foi o município de Caruaru, famoso por sua feira – a maior a céu aberto no mundo – e também por suas festas de São João – que competem com as de Campina Grande (PB) o posto de maiores do mundo. Mas isso importa menos aqui. Importa que Caruaru também impressiona os desavisados, com tamanha pujança econômica que iniciou seu despertar em anos (muito) recentes. Não só por conta da já histórica tendência ao comércio e à produção cultural que a cidade apresentava, mas também pelo tardio despertar da urgente necessidade de se interiorizar a economia dos estados da região.
Hoje, Caruaru está conectada a Recife por 140 quilômetros de estradas duplicadas recentemente inauguradas em concreto (BR-232). Tal investimento se justifica pelo intenso movimento de caminhões transportando todos os tipos de bens de consumo que, cada vez mais, passam a ser produzidos no nordeste e – sobretudo –, no interior. E a explosão econômica pernambucana também começa a se materializar em enormes condomínios fechados de altíssimo padrão, tanto às margens da rejuvenescida BR-232, quanto em locais mais afastados – como é o caso do Alphaville Caruaru, todos sendo inaugurados agora.
Mas é quando se chega a Recife, mais propriamente à Praia de Boa Viagem, e o que se vê é uma metrópole em franca expansão, vivendo uma das mais rápidas expansões imobiliárias do Brasil nos anos recentes, com lançamentos de um punhado de edifícios residenciais de alto luxo de 40 andares.
No mês seguinte, finalmente, cheguei no Ceará. Sobre as viagens anteriores eu omiti uma coisa interessante, mas que justamente dizia muito mais respeito a este estado agora. Na primeira das três viagens, ao Piauí, embora eu tenha pousado em Teresina ao chegar, para ir embora peguei o avião em Juazeiro do Norte, no sul do Ceará, próximo à fronteira com o Pernambuco. Na viagem seguinte, desta vez ao Pernambuco, pousei em Juazeiro do Norte e, de lá, parti para o estado vizinho ao sul. E, finalmente, para a última viagem, ao Ceará, cheguei também via Juazeiro do Norte. E estando esta cidade cravada no coração da caatinga, foi muitíssimo interessante dividir o avião com algumas dezenas de pessoas que voavam pela primeira vez, ou voltando às suas terras natais para nunca mais sair, ou indo visitar a família, aproveitando o expressivo aumento recente da renda.
Muito além de ser a meca católica do nordeste inteiro, Juazeiro do Norte é a sede da Região Metropolitana do Cariri, com mais de 500 mil habitantes, compondo a aresta norte do coração econômico-cultural do sertão nordestino, cuja ponta sul é formada pela Região Administrativa Integrada de Desenvolvimento do Polo Petrolina e Juazeiro (cidades gêmeas às margens do São Francisco, entre Pernambuco e Bahia), com mais de 800 mil habitantes. Se estendermos essa região a Serra Talhada, temos num raio de cerca de 200 quilômetros uma pulsante região com mais de um milhão de habitantes.
E este pulsar não é apenas uma expressão. Toda essa região registrou um crescimento econômico de cerca de 20% anuais nos dois últimos anos, duas vezes mais rápido que a China, por exemplo. Não é de se espantar, portanto, o tamanho da minha surpresa que tive ao passar por lá. Distante mais de 500 quilômetros do litoral, tanto a norte (Fortaleza, CE), quanto a leste (Recife, PE), é ali que está acontecendo a mais importante interiorização econômica que o Brasil precisava realizar pra diminuir sua injusta e irracional desigualdade regional.
Juazeiro do Norte e Crato, as duas maiores cidades da Região Metropolitana do Cariri, inauguraram há pouco menos de um ano o Metrô do Cariri, feito com a tecnologia VLT, configurando-se como o primeiro metrô a ser inaugurado no estado do Ceará, antes mesmo que Fortaleza. Isso pode de novo parecer besteira, mas estamos falando de uma região que há uma década, somente, registrava índices de IDH considerados baixos e um PIB per capita praticamente insuficiente pra suprir o mínimo. Mas tudo mudou.
Assim como o Pernambuco, o Ceará é o estado que apresentou os maiores avanços do PIB nesta década e, como vimos em ambos os estados, não se tratou de um avanço concentrado somente na capital – como historicamente estivemos acostumados. Graças a um número muito expressivo de políticas econômicas e sociais conjugadas nos últimos anos, toda essa região passou a registrar um desenvolvimento espacializado, descentralizado, integrado e surpreendentemente planejado.
Ainda muito há que ser feito. As estradas deixam demais a desejar, com exceção de algumas, como a BR 232, que corta Pernambuco de ponta a ponta. As rodovias federais no Piauí, quando por lá passei, também estavam muito decentes, recém-recapeadas em obras emergenciais tocadas pelo exército. Também a Ferrovia Transnordestina não terá um efeito tão expressivo se não for futuramente conectada à também em construção Ferrovia Norte-Sul. Os portos nas pontas dos dois eixos da Transnordestina, o de Suape, no Pernambuco, e o de Pecém, no Ceará, estão já recebendo vultosos investimentos e que devem ser mantidos.
No restante da área social, o trabalho apenas começou. Em comparação com o sul do Brasil, o interior nordestino vivia uma realidade quase impossível de se comparar, caindo até para o negativo. Foram séculos de privação de todos os tipos, mas que iniciou a passos largos a maior transformação socioeconômica da sua existência.
E assim foram minhas descobertas em pouco mais de 40 dias no sertão. Descobertas, porque não tinham me contado antes. De imagem, eu tinha aquilo que Graciliano Ramos havia me mostrado em suas linhas do “Vidas Secas”, escrito em 1938, depois ilustradas no filme homônimo de Nelson Pereira dos Santos, de 1963. Desde então, o que se fez pra nós do sul/sudeste foi a construção de uma contínua mentira de que eternamente a caatinga era, sim, uma vida seca, desgracenta e do avesso.
Mas não é, e eu vos garanto. E agradeço, por fim, às dezenas de famílias que serviram almoço, café e doces a mim e minha equipe. No começo tínhamos receio, exitávamos em aceitar, mas em pouco tempo éramos nós mesmos que pedíamos almoço, quase sem vergonha na cara. Mas é que, na verdade, eram esses os momentos mais ricos e de orgulho para as próprias famílias. Servir o alimento plantado e criado por eles próprios encerra o ciclo mais importante de suas existência, quando o fruto do trabalho diário é, finalmente, transformado.
Ibirá Machado é um geógrafo trabalhou há alguns anos com consultoria de impactos socias, ecológicos e econômicos destas grande obras pelo Brasil adentro. Alimenta atualmente o blog de Cinema Indiano.